Quando perder quem a gente tanto ama começa a virar uma triste rotina, me perco em meio à tanta tristeza e temo ser engolida por ela.
Escrever me ajuda a sair do fundo do poço, a organizar meus
pensamentos e entender o que está acontecendo comigo.
Há tempos parei de perguntar por que tudo isso aconteceu,
por que tantas despedidas em tão pouco tempo... hoje, começo a focar no que ganhei, em quem me
tornei, onde quero chegar e como encontrarei forças para chegar lá.
E aqui, cabe um parênteses: por favor, não confunda este último comentário com a aceitação
do famoso "tudo tem um lado bom". Para mim, esta continua sendo apenas uma
frase pronta e vazia, utilizada nos momentos em que ficar quieto seria melhor. Não
acredito que há algo de bom na morte de um filho.
Simplesmente não há.
É humanamente impossível enxergar o lado bom quando seu filho morre aos 20 dias de vida sem que você tenha tido a oportunidade de aninhá-lo em seu colo... ou quando seu pai dá seu último suspiro nos seus braços... ou ainda, quando seu filho peludo perde a vida após uma luta incansável contra uma doença dita benigna.
Não há lado bom.
O que acontece, na verdade, é a gente muda. Olha pra trás e nem consegue mais lembrar quem era, perde a referência e precisa se reinventar a cada tombo, a cada despedida. E quando você se dá conta, é a verdadeira metamorfose ambulante cantada por Raul.
Então, como posso manter o foco no que ganhei sendo que perdi tanto?
Confuso, mas ainda assim, possível.
Acho que ao ter o coração quebrado em pedaços tão pequenos, de novo e de novo, nossa alma fica exposta, porém, permeável. Embora doa, fui inundada por um amor que foi absorvido mais facilmente e me encharcou.
Minha forma de ver o mundo mudou, por isso, mudei também.
Minhas prioridades são diferentes, meu senso de urgência mudou, minha crença se transformou e até a maneira de lidar com meus problemas foi alterada pelo ‘novo eu’.
A mudança não agrada a todos e houve uma grande seleção natural em minha vida. Alguns amigos se distanciaram, pessoas nos evitam, enfim, nem todo mundo gosta do meu ‘novo eu’... bem, talvez eles não precisem gostar.
Mas eu preciso e este também é um longo processo.
Estou crescendo, aprendendo e amadurecendo. As lágrimas são de dor e saudade, mas também de amor... o mais puro amor.
Minha ferida mais exposta, a dor mais aguda no meu coração
neste momento, a morte do Brutinhos, permitiu que eu conhecesse pessoas
maravilhosas e por intermédio delas, do universo e do próprio Brutus, ‘caí no
colo’ de uma querida terapeuta especialista em luto, a Joelma.
Com ela, compreendi algo que eu já sabia, mas ainda não entendia bem: amor e luto caminham juntos. Ela me mostrou que para entender o tamanho da dor é preciso entender o tamanho do amor pois, são igualmente proporcionais. Só sofremos porque amamos... pois é.
Aprendi também que luto não se compara, é individual, diferente de pessoa para pessoa.
Costumo dizer que sou feita 100% de coração. Eu amo com muita intensidade e o resultado, acho que não preciso contar para vocês.
Em um bate-papo gostoso e acolhedor, Joelma me perguntou se eu deixaria de amar com tanta intensidade se soubesse de antemão que amar assim me faria sofrer tanto.
Nem.Por.Um.Segundo.
O amor é o melhor presente que o Noah, meu pai e o Brutus poderiam me dar.
Por eles, sigo em frente e dou um jeito de levantar a cada tombo, mesmo que demore. E às vezes demora... e muito...
Por eles eu choro, me desespero, e cada lágrima que escorre por meu rosto carrega dentro de si um amor pelo qual dor nenhuma, jamais, triunfará.
Só preciso me respeitar, acolher minha dor e transformá-la em algo bom - na hora certa.
Abaixo traduzi uma bela 'história de amor', texto escrito por DeAndrea Dare, mãezinha do anjo Max, que
me inspirou e me fez perceber que não estou sozinha nesse mar de amor e dor...
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Uma História de Amor
Tradução/Translation: Roberta Modulo
(Mamãe orgulhosa de um anjo chamado Noah / Proud mother to an angel called Noah)
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Nunca imaginei que um amor como este fosse possível.
Um amor tão doído, que tirou o ar de dentro de meus pulmões
e me preencheu com mais alegria que eu pudesse expressar.
Como poderia o amor ser tão crú, tão profundo, tão doloroso e ainda assim tão bonito e eterno?
Como poderia um menininho pesando menos que 3 libras (aproximadamente 1,3 kg) libertar um amor que não me abandonaria e me levaria a uma vida que eu jamais pudesse imaginar?
Honestamente, ainda não entendo como esta é a minha vida.
Certos dias, eu paro e olho ao meu redor e penso como tudo aconteceu tão rápido, como nada é como eu esperava que fosse, como ainda dói tanto, o quanto eu ainda anseio por ele, e ainda, o tremendo orgulho que sinto por meu menininho e das formas com que sua vida está tocando e oferecendo esperança a outros.
Eu faria qualquer coisa para mudar o curso da história dele. Para reescrevê-la sem os capítulos de morte, luto, dor e a realidade de que a vida às vezes toma rumos que você não somente não esperava, mas também jamais poderia imaginar, mesmo que tentasse.
Mas eu também faria tudo de novo para poder pegá-lo, tocá-lo, olhar para cada pequenina parte dele e sentir seus dedos ao redor do meu, ainda que fosse por apenas mais um minuto.
No fundo, eu sei que ainda que tivesse tido mais tempo, ainda assim, não teria sido suficiente. Eu desejaria mais. Eu sempre iria querer mais.
Nos dias sombrios após a morte dele, eu não sabia como
seguir em frente e também pensei seriamente em não querer continuar.
Eu ouvia outros pais reclamando de noites sem dormir e crianças gritando. Eu teria vendido um órgão no mercado negro para ter experienciado isso com meu menininho.
Assisti na TV imagens de abusos e atrocidades cometidas contra crianças por seus próprios pais e pensei: porque eles puderam ter seu filhos, enquanto eu só podia me debruçar no túmulo do meu e imaginar como teria sido?
Eu me tornei nervosa com tudo, carreguei o peso de uma culpa sem fundamentos, era incapaz de manter o foco, não conseguia tomar nem as mais simples decisões.
Mas aquele amor... Aquele amor só cresceu e cresceu e cresceu.
Finalmente me dei conta que ainda que estivesse mais louca
do que nunca, eu estava vivendo e ele não, eu tinha que encontrar meu caminho.
E então, fiz a ele uma promessa. Uma promessa que ainda que eu não soubesse como, ainda que não quisesse, eu viveria por nós dois.
E então, aqui estou.
No começo foi difícil manter a promessa. A escuridão era espessa e sombria. Eu tentei e lutei e me esforcei para ser ‘eu’, seja lá o que isso queria dizer.
Quando você não consegue se olhar no espelho ou sentir nada que se assemelhe a você mesma, é difícil ser quem você sempre foi.
Eu não podia nem queria voltar a ser ‘aquele eu’ porque tudo era diferente agora. Eu aprendi que tudo bem.
Às vezes as pessoas não gostavam disso. Alguns ainda não gostam. Mas eu segui aquele amor que ainda estava crescendo dentro de mim. Cometi alguns erros no caminho porque estava aprendendo a lidar com os dias, as semanas, os meses. Estava fazendo o meu melhor, mas às vezes, para os outros, o melhor não era suficiente.
Através das lutas e das dores, dos erros e das mudanças, a constante que permanecia e se fortalecia a cada segundo de cada dia era o amor que eu continuava compartilhando com meu filho.
Dizer que minha vida mudou seria eufemismo. Relacionamentos
mudaram, o trabalho mudou, a dinâmica da família foi alterada e tudo pareceu
estar de cabeça para baixo por um bom tempo.
Mas o que emergiu destas nuvens escuras foi uma luz
brilhante que me guiou a um amanhã o qual eu jamais poderia experimentar se eu
não fosse a mãe de um menininho chamado Max.
Hoje eu vejo o mundo de maneira diferente do que há quatro
anos. A perspectiva e as lentes que uso para vê-lo, mudaram.
Sim, há muita dor e sofrimento neste mundo, mas há uma beleza que apenas um profundo amor duradouro pode revelar, que consertar pedaços destruídos e construir algo a partir dele vai além das palavras.
Para mim, nada disso teria acontecido se não fosse pelo Max.
Sim, eu gostaria que as coisas fossem diferentes e que ele estivesse aqui segurando minha mão, fazendo coisas que um menino de 4 anos faria, mas eu não trocaria por nada neste mundo a vida que eu compartilho com ele, pois, de alguma maneira, o amor dele me carrega e jamais me abandonará.
Eu sei que dói. Eu sei que esta não é a história de vida que você queria ou jamais tivesse sonhado que pudesse acontecer com você.
Mas nós sentimos a dor e o sofrimento porque nós amamos tão profundamente.
Deixe este amor crescer.
Deixe este amor te guiar.
Deixe que o amor que você continua compartilhando com seu filho ilumine este mundo.
O amor é infinito, eterno.
O amor sempre continua.
A história de seu filho não acabou.
A história de meu Max não acabou.
Nossa história continua.
Esta é uma história de amor que nunca vai acabar.
Quem é DeANDREA Dare
DeAndrea é esposa, mãe de três lindos filhos, fundadora e
diretora executiva do A Memory Grows, uma organização não governamental que
fica em Fort Worth no Texas, que oferece refúgio e eventos para pais que estão
sofrendo com a morte de seus filhos.