quinta-feira, 3 de março de 2016

Superação


Superação. 

Para mim, uma palavra fora de contexto quando o assunto é a perda de um filho.

De acordo com o dicionário, superar significa: vencer, ficar superior a, levar vantagem a, exceder, fazer desaparecer; cortar, desfazer, destruir, etc.

Nenhum desses verbos reflete a realidade ou traduz o sentimento pós-perda, mas devo confessar que dentre as palavras e frases que ouvimos com tanta frequência (e que supostamente nos confortariam), o incentivo à superação está sempre presente. 

Há certa pressa da sociedade para que voltemos a ser o que éramos antes, para que esse assunto “constrangedor” não esteja mais presente nas conversas, para que tudo volte a ser como era...

E assim, também nos cobramos, pois acreditamos que um dia a dor vai passar, que a vida vai voltar ao ‘normal’ e pronto. Quando Noah morreu, eu acreditei que em um ano tudo estaria bem e internalizei isso; respeitei meu sofrimento e minhas lágrimas durante este período e entrei em pânico quando percebi que o primeiro ano se aproximava e eu não estava nem ao menos perto de onde eu gostaria de estar.

Lembro-me de uma tarde de novembro, quando meu coração já não aguentava mais segurar a tristeza e eu desabei nos braços do Rika... entre um soluço e outro eu dizia: “mas já faz quase um ano e ainda dói como se fosse ontem!”. 

Hoje, 14 meses e 13 dias depois, ainda dói como se fosse ontem... talvez até mais, pois agora sei bem como é viver sem meu filhote... 

O texto que traduzi abaixo fala sobre este processo, esta descoberta... a descoberta de um pai, Andy, sobre o processo de ‘superação’. 

A verdade é que não há o que ser superado... Nunca mais voltarei a ser como eu era. Hoje sou mãe, vivi a maior tragédia da minha vida há 14 meses, e preciso viver o resto de minha vida sem meu pequenino. 

Acho que a palavra certa deveria ser Sobreviver...

Eu não quero ‘superar’ a morte de meu filho. Quero aprender a sobreviver a ela, bem como aprender a sobreviver sem ele...

Ao invés de dizer: “você vai superar”, acho que o certo seria: “você vai sobreviver”.

É nisso que precisamos acreditar.


__________________________________________



Um Pai: Sobre Superação 

26 de novembro de 2015 por  Andy Gillette **


Texto original em/Source: www.stillstandingmag.com
Tradução/Translation: Roberta Modulo (Mamãe orgulhosa de um anjo chamado Noah / Proud mother of an angel called Noah)
e-mail: contato@robertamodulo.com.br


“Você vai superar isso.”

Se você é um pai que sofreu com a perda, sabe muito bem a dor dessas palavras bem intencionadas. 

Não é surpreendente que os outros nos digam isso. Quero dizer, eu mesmo não entendia isso. Eu me lembro da primeira vez que me dei conta de que a morte de meu filho, e o sofrimento que estávamos sentindo, não seria uma breve ‘fase’ de nossas vidas. 

Estávamos em um grupo de apoio de pais que haviam passado por aborto, perda ao nascer ou perda infantil. Simon havia morrido há apenas duas semanas, e sua morte estava tão fresca em nossas mentes que quando uma mãe começou a contar sua história e a descrever sua caminhada pelo hospital, minha esposa e eu começamos a tremer e chorar.

Enquanto ela contava sua história, engasgada por soluços intermitentes, ela concluiu dizendo, “hoje completam 6 meses.”

Minha esposa e eu nos olhamos com olhos arregalados, surpresos por testemunhar tamanha emoção, ainda tão exposta após um período ‘tão longo’.

Mas então, outra mãe falou, e nos contou sobre a dor de assistir os estudantes de sua vizinhança concluindo o ensino médio. Desabando em lágrimas, ela disse: “meu filho morreu há 18 anos... ele deveria estar com eles...”.

Parece besteira escrever isso agora, mas me lembro de estar sentado no carro após a reunião, surpreso e assustado com a enorme imensidão de tempo que acabava de se abrir diante de nós. Isso não seria uma ponta de dor seguida por um curta cauda de tristeza. Mas ter alguém que te conte algo e então internalizar isso, não é a mesma coisa. 

Naqueles primeiros meses, eu ainda tinha em mente que, um dia, nós iríamos ‘superar’.

Meio ano depois, nós ainda estávamos tristes e eu estava em busca de respostas. Conversando com outro pai, eu perguntei, “Quando que a gente para de se sentir assim. Quanto tempo levou até que, pela primeira vez, você percebesse que ainda não havia pensado em seu filho naquele dia, porque – você sabe - as coisas estavam começando a cicatrizar um pouco?”

Ele olhou para baixo, parou por um longo tempo e então disse: “Já faz mais de sete anos, e ele ainda é a primeira coisa que eu penso todos os dias. Eu não acho que seja como outras coisas – como o fim de um relacionamento ou um amigo que vai embora, que você mentalmente supera. Ele sempre está lá.”

Eu não deveria, mas eu estava – mais uma vez – surpreso pela magnitude de tudo isso. Como poderia doer por tanto tempo? Não fazia sentido algum. Eu tinha em minha mente que você poderia “superar” essa tragédia, e que nós – especialmente eu – estávamos fracassando em fazê-lo. Eu ficava frustrado comigo mesmo por não seguir em frente rápido o suficiente, e precisava lutar com a vontade de não ficar frustrado com minha esposa, por continuar permitindo que a tristeza movesse nossas vidas. 

Eu pedi o conselho de um último pai, um amigo que tem sido um mentor para mim. Ele perdeu a filha quando ela tinha três anos, segurando-a nos braços enquanto um tumor cerebral roubava seu último suspiro. Eu perguntei a ele: “O que você fez para superar? Você encontrou algum livro com bons conselhos ou se deparou com alguma atividade que acelerasse o processo para sentir-se melhor? Eu sinto que não estou fazendo o suficiente, ou eu não estou fazendo as coisas certas.”

Ele pensou nisso por um minuto, silenciosamente procurando pelas palavras certas, quando finalmente quebrou o silêncio: ”Sabe, você não supera de verdade, ou acelera as coisas. Vai levar o tempo que for necessário. É muito mais sobre como você vive com isso.”  

Naquela conversa, finalmente me dei conta. Você vive com a dor; você vive através da dor; você vive através da perda. É muito mais sobre encontrar maneiras de lidar com essa coisa nova do que superá-la.

Levou muito tempo antes que eu percebesse que isso não está relacionado ao retorno à minha vida antiga; é sobre adaptar (e aceitar) minha nova vida. 

Levou muito tempo antes que eu percebesse que não estou fracassando se eu não estou “superando” isso ou melhorando imediatamente.

Levou muito tempo antes que eu percebesse que vai levar muito tempo.

E que não será o mesmo.

E tudo bem.



** Sobre Andy Gillette
Andy Gillette é o pai de Simon Alexander Gillette, que nasceu já sem vida em fevereiro de 2014. Ele e sua esposa Genevieve se aproximaram muito após esta experiência, e encontram conforto ao pensar em seu pequenino e ao ajudar outros pais que sofrem uma perda. Eles estão felizes por estarem envolvidos com o grupo de apoio Arlington, VA MIS: Mis Share